segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Ornitólogos documentam a extinção de três aves endêmicas do Nordeste

Uma coruja e duas espécies da ordem dos Passeriformes não são mais encontradas no trecho de mata atlântica que vai de Alagoas ao Rio Grande do Norte
MARCOS PIVETTA | Edição Online 23:21 8 de agosto de 2014

 
© CIRO ALBANO
Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi): descoberto em 1979 e agora provavelmente extinto
Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi): descoberto em 1979 e agora provavelmente extinto
Procuram-se exemplares de caburé-de-pernambuco, gritador-do-nordeste e de limpa-folha-do-nordeste. Encontradas apenas no chamado Centro Pernambuco de Endemismo (CPE), nome dado a uma estreita faixa de mata atlântica ao norte do rio São Francisco que corta os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e o Rio Grande do Norte, essas aves raras sumiram das câmeras e gravadores dos ornitólogos faz um bom tempo. Não há notícias recentes delas.  Há 12 anos, ninguém avista ou grava o canto de um caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma corujinha que mede 14 centímetros e exibe pintinhas no alto da cabeça e na nuca. Faz sete anos que houve o último registro conhecido de um gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e três do limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), duas espécies muito parecidas da ordem dos Passeriformes, os populares passarinhos, com cerca de 20 centímetros de comprimento.
Diante dessa situação, um grupo de dez pesquisadores radicados no Brasil acaba de publicar um artigo na revista científica Papéis Avulsos de Zoologia em que defendem a ideia de que as três se extinguiram. Embora a rigor se deva esperar 50 anos após o último registro de uma ave para considerá-la oficialmente extinta, os especialistas acreditam que não há outra explicação para o sumiço das três espécies.  “Com os dados que temos, não há infelizmente outra conclusão possível” diz Luís Fábio Silveira, curador da seção de ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), um dos autores do trabalho. “Essas são as primeiras aves endêmicas brasileiras cuja extinção é registrada em tempos modernos, desde que a pesquisa nessa área se estabeleceu no país.”  Por tempos modernos, entende-se depois do século passado.  Antes dessas três aves do CPE, havia o registro da extinção de outras duas espécies nesse período, mas que não eram endêmicas do Brasil:  o maçarico-esquimó (Numenius borealis), ave migratória originária da América do Norte que passava pelo Brasil até os anos 1940, e a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era encontrada na Argentina, Uruguai, Paraguai e Sul do Brasil até o final do século XIX.
No artigo, os pesquisadores analisaram o status de conservação de 16 espécies de aves do CPE, considerada a região nacional com maior número relativo de aves em perigo de extinção e uma das áreas com a maior concentração de espécies ameaçadas em todo o mundo. Quinze dessas espécies eram consideradas ameaçadas de extinção pela lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). O trabalho levou em conta os dados obtidos nos últimos 11 anos em coletas pontuais ou sistemáticas nos remanescentes de floresta na região.
O desmatamento histórico e progressivo da mata atlântica nesse trecho do Nordeste, em especial devido à presença secular do cultivo da cana-de-açúcar, é apontado com uma das principais causas do desaparecimento da corujinha e dos dois passarinhos. Hoje restam apenas 2% da área original de floresta, o hábitat por excelência dessas aves, em geral fragmentos de mata de pequeno porte. Metade dos fragmentos tem menos de 10 hectares e poucos tem mais de mil hectares. Dois desses oásis de verde são a Mata do Quengo, um trecho de 500 hectares de mata dentro de uma reserva privada no sul de Pernambuco, e a Estação Ecológica de Murici, no noroeste de Alagoas, com 6.116 hectares. Até uns poucos anos atrás, todas as espécies ameaçadas de extinção do CPE ainda eram achadas dentro desses dois grandes trechos de mata. Agora, como atesta o trabalho dos pesquisadores, ao menos três delas desapareceram inclusive desses locais.
Para piorar o problema, as florestas remanescentes nem sempre apresentam as mesmas características das matas originais. “Muitas vezes são hábitats degradados pelo uso do fogo e extração de madeira”, afirma o biólogo inglês Alexander C. Lees, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que estuda o impacto das mudanças no uso da terra sobre as aves, outro autor do trabalho.  “É muito difícil encontrar uma mata madura, original, aqui nesta região”, diz o ornitólogo Glauco Alves Pereira, aluno de doutorado da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que é o primeiro pesquisador a assinar o artigo na Papéis Avulsos de Zoologia. “É praticamente tudo vegetação secundária.” Há ainda a questão do desequilíbrio ecológico na cadeia alimentar que rege as relações entre as espécies animais da região. Com a diminuição no número de grandes predadores, os pequenos predadores passaram a ter um cenário mais tranquilo e, assim, passaram a atacar com maior constância os ninhos das aves, segundo Lees.
Um aspecto das extinções entristece ainda mais os pesquisadores:  aves que desapareceram tinham sido descobertas há pouco tempo. O limpa-folha-do-nordeste foi identificado em 1979 e o caburé-de-pernambuco, em 1980. O caso do gritador-do-nordeste é ainda mais dramático. Apenas neste ano, um estudo determinou que ele era uma espécie diferente do limpa-folha-do-nordeste. “Não tivemos nem tempo de estudar direito essas aves” afirma Silveira. A única saída para evitar mais extinções de aves é proteger os remanescentes de mata atlântica e, talvez, tentar reproduzir em cativeiro algumas das espécies em estado mais críticos para que elas possam retornar à natureza quando os seus hábitats estiverem restaurados, dizem os pesquisadores. Caso contrário, as outras 13 espécies ameaçadas de extinção do Centro Pernambuco de Endemismo, como o mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) e choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), podem engrossar a lista negra dos desaparecidos, que agora inclui a corujinha e dois passarinhos.
Artigo científico:
PEREIRA, G. A. et alStatus of the globally threatened forest birds of northeast BrazilPapéis Avulsos de Zoologia. v. 54, n. 14, p. 177-194. 2014.

Extinção de animais pode agravar efeito das mudanças climáticas

Ausência de espécies frugívoras de grande porte pode interferir no processo de sequestro de CO2 da atmosfera
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 17:00 18 de dezembro de 2015

© GUILHERME JOFILI / FLICKR
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Animais frugívoros como as cutias cumprem funções importantes em relação às plantas, por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas
A extinção de animais frugívoros, que se alimentam sobretudo de frutos, como antas, cutias e muriquis poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Isso porque a extinção desses animais capazes de dispersar sementes de frutos grandes mudaria a composição das florestas, afetando seu potencial para combater alterações climáticas. A relação foi observada por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais sob coordenação do biólogo brasileiro Mauro Galetti e sua orientanda de doutorado, Carolina Bello, ambos do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, interior de São Paulo. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 18, na revista Science Advances, eles relacionam a composição e a abundância de espécies de árvores, bem como o tipo de dispersão de suas sementes, à padrões de dureza da madeira e altura. Essa é uma maneira de medir o quanto uma árvore pode estocar carbono.
Os pesquisadores estimaram a perda da capacidade de estoque de CO2 na Mata Atlântica a partir de diferentes cenários de defaunação, como é conhecida a diminuição acentuada da população de animais em um ecossistema, em geral induzida por atividades humanas como desmatamento e caça ilegal. Ao simular a extinção local de árvores que dependem da dispersão de suas sementes por grandes frugívoros na Mata Atlântica, os pesquisadores verificaram que a defaunação comprometeria significativamente a capacidade de armazenamento de CO2 pela floresta. Esses animais, há algum tempo se sabe, cumprem funções importantes em relação às plantas, seja por polinizar as flores ou por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas.
© MIGUEL RANGEL JR/FLICKR
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A extinção de animais que se alimentam sobretudo de frutos, como os muriquis, poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver CO2 da atmosfera
No estudo, a equipe de Galetti observou que árvores com troncos grandes e duros têm sementes igualmente grandes. Logo, quanto maior a semente, tanto maior será a árvore. Árvores grandes, por sua vez, são capazes de sequestrar e armazenar maiores quantidades de carbono. Por meio de simulações computacionais, os pesquisadores verificaram que à medida que dispersores de sementes grandes eram progressivamente extintos, também as árvores grandes tornavam-se menos abundantes. Em outras palavras, na ausência de antas, bugios e muriquis, a floresta mudava para uma composição de espécies de árvores de sementes pequenas e madeira “mole”. Com o tempo, segundo eles, a tendência é que somente as sementes menores sejam encontradas na natureza, em um efeito cascata induzido pela ação humana que pode desencadear mudanças ecológicas significativas. “As sementes de canelas, jatobás e maçarandubas, por exemplo, são grandes e dispersadas apenas por animais grandes, como antas e muriquis”, diz Galetti. “Essas árvores são as de madeira mais nobre e as que estocam mais carbono”, explica.
A Mata Atlântica é um dos mais degradados ecossistemas brasileiros, do qual restam, segundo algumas estimativas, aproximadamente 12% da cobertura original – mais de 80% da vegetação remanescente encontra-se altamente fragmentada em áreas com menos de 50 hectares. De acordo com os pesquisadores, o mesmo raciocínio que eles aplicaram à Mata Atlântica pode ser extrapolado para outros ambientes, como o amazônico, cujas espécies de árvores que retêm até 50% de CO2 da atmosfera dependem em grande medida da dispersão das sementes por frugívoros de grande porte. Segundo eles, os resultados ressaltam a importância de se considerar os animais como parte fundamental no processo de redução de emissões de gases do efeito estufa por meio do armazenamento de carbono em florestas tropicais.
ProjetoLigando defaunação e os serviços de ecossistemas de armazenamento de carbono em florestas atlânticas (nº 2013/22492-2); Modalidade Bolsa no país — doutorado;Pesquisador responsável Mauro Galetti Rodrigues (Unesp); Bolsista Laura Carolina Bello Lozano (Unesp); Investimento R$ 140.088,00 (FAPESP)
Artigo científicoBELLO, C. et alDefaunation affects carbon storage in tropical forestsScienceAdvances. dez. 2015.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Brejos isolam bicudinhos

Brejos isolam bicudinhos

© GLAUCIA DEL-RIO
Bicudinho-do-brejo-paulista: divergência genética grande entre populações
Bicudinho-do-brejo-paulista: divergência genética grande entre populações
Descrito oficialmente no final de 2013, o bicudinho-do-brejo-paulista (Formicivora paludicola) ocorre em apenas 15 brejos perto das nascentes dos rios Tietê e Paraíba do Sul, no entorno da Região Metropolitana de São Paulo. Um estudo coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, com bicudinhos provenientes dos três brejos mais importantes indica que a população de cada região apresenta níveis de estruturação e diferenciação genética só antes encontrados em grupos isolados de aves que habitam os topos de montanhas na África (PLoS One, 8 de outubro). Cada população vive em um brejo distante cerca de 60 quilômetros dos outros dois e parece apresentar um elevado grau de adaptação às condições locais. Por isso os autores do trabalho recomendam não transferir exemplares de uma localidade para outra. O artigo também traz um dado relativamente otimista sobre a espécie que desde sua descoberta se sabe criticamente ameaçada de extinção: a população total pode chegar a 600 aves, o dobro da inicialmente estimada.