segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Ornitólogos documentam a extinção de três aves endêmicas do Nordeste

Uma coruja e duas espécies da ordem dos Passeriformes não são mais encontradas no trecho de mata atlântica que vai de Alagoas ao Rio Grande do Norte
MARCOS PIVETTA | Edição Online 23:21 8 de agosto de 2014

 
© CIRO ALBANO
Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi): descoberto em 1979 e agora provavelmente extinto
Limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi): descoberto em 1979 e agora provavelmente extinto
Procuram-se exemplares de caburé-de-pernambuco, gritador-do-nordeste e de limpa-folha-do-nordeste. Encontradas apenas no chamado Centro Pernambuco de Endemismo (CPE), nome dado a uma estreita faixa de mata atlântica ao norte do rio São Francisco que corta os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e o Rio Grande do Norte, essas aves raras sumiram das câmeras e gravadores dos ornitólogos faz um bom tempo. Não há notícias recentes delas.  Há 12 anos, ninguém avista ou grava o canto de um caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma corujinha que mede 14 centímetros e exibe pintinhas no alto da cabeça e na nuca. Faz sete anos que houve o último registro conhecido de um gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e três do limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), duas espécies muito parecidas da ordem dos Passeriformes, os populares passarinhos, com cerca de 20 centímetros de comprimento.
Diante dessa situação, um grupo de dez pesquisadores radicados no Brasil acaba de publicar um artigo na revista científica Papéis Avulsos de Zoologia em que defendem a ideia de que as três se extinguiram. Embora a rigor se deva esperar 50 anos após o último registro de uma ave para considerá-la oficialmente extinta, os especialistas acreditam que não há outra explicação para o sumiço das três espécies.  “Com os dados que temos, não há infelizmente outra conclusão possível” diz Luís Fábio Silveira, curador da seção de ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), um dos autores do trabalho. “Essas são as primeiras aves endêmicas brasileiras cuja extinção é registrada em tempos modernos, desde que a pesquisa nessa área se estabeleceu no país.”  Por tempos modernos, entende-se depois do século passado.  Antes dessas três aves do CPE, havia o registro da extinção de outras duas espécies nesse período, mas que não eram endêmicas do Brasil:  o maçarico-esquimó (Numenius borealis), ave migratória originária da América do Norte que passava pelo Brasil até os anos 1940, e a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era encontrada na Argentina, Uruguai, Paraguai e Sul do Brasil até o final do século XIX.
No artigo, os pesquisadores analisaram o status de conservação de 16 espécies de aves do CPE, considerada a região nacional com maior número relativo de aves em perigo de extinção e uma das áreas com a maior concentração de espécies ameaçadas em todo o mundo. Quinze dessas espécies eram consideradas ameaçadas de extinção pela lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). O trabalho levou em conta os dados obtidos nos últimos 11 anos em coletas pontuais ou sistemáticas nos remanescentes de floresta na região.
O desmatamento histórico e progressivo da mata atlântica nesse trecho do Nordeste, em especial devido à presença secular do cultivo da cana-de-açúcar, é apontado com uma das principais causas do desaparecimento da corujinha e dos dois passarinhos. Hoje restam apenas 2% da área original de floresta, o hábitat por excelência dessas aves, em geral fragmentos de mata de pequeno porte. Metade dos fragmentos tem menos de 10 hectares e poucos tem mais de mil hectares. Dois desses oásis de verde são a Mata do Quengo, um trecho de 500 hectares de mata dentro de uma reserva privada no sul de Pernambuco, e a Estação Ecológica de Murici, no noroeste de Alagoas, com 6.116 hectares. Até uns poucos anos atrás, todas as espécies ameaçadas de extinção do CPE ainda eram achadas dentro desses dois grandes trechos de mata. Agora, como atesta o trabalho dos pesquisadores, ao menos três delas desapareceram inclusive desses locais.
Para piorar o problema, as florestas remanescentes nem sempre apresentam as mesmas características das matas originais. “Muitas vezes são hábitats degradados pelo uso do fogo e extração de madeira”, afirma o biólogo inglês Alexander C. Lees, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que estuda o impacto das mudanças no uso da terra sobre as aves, outro autor do trabalho.  “É muito difícil encontrar uma mata madura, original, aqui nesta região”, diz o ornitólogo Glauco Alves Pereira, aluno de doutorado da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que é o primeiro pesquisador a assinar o artigo na Papéis Avulsos de Zoologia. “É praticamente tudo vegetação secundária.” Há ainda a questão do desequilíbrio ecológico na cadeia alimentar que rege as relações entre as espécies animais da região. Com a diminuição no número de grandes predadores, os pequenos predadores passaram a ter um cenário mais tranquilo e, assim, passaram a atacar com maior constância os ninhos das aves, segundo Lees.
Um aspecto das extinções entristece ainda mais os pesquisadores:  aves que desapareceram tinham sido descobertas há pouco tempo. O limpa-folha-do-nordeste foi identificado em 1979 e o caburé-de-pernambuco, em 1980. O caso do gritador-do-nordeste é ainda mais dramático. Apenas neste ano, um estudo determinou que ele era uma espécie diferente do limpa-folha-do-nordeste. “Não tivemos nem tempo de estudar direito essas aves” afirma Silveira. A única saída para evitar mais extinções de aves é proteger os remanescentes de mata atlântica e, talvez, tentar reproduzir em cativeiro algumas das espécies em estado mais críticos para que elas possam retornar à natureza quando os seus hábitats estiverem restaurados, dizem os pesquisadores. Caso contrário, as outras 13 espécies ameaçadas de extinção do Centro Pernambuco de Endemismo, como o mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) e choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), podem engrossar a lista negra dos desaparecidos, que agora inclui a corujinha e dois passarinhos.
Artigo científico:
PEREIRA, G. A. et alStatus of the globally threatened forest birds of northeast BrazilPapéis Avulsos de Zoologia. v. 54, n. 14, p. 177-194. 2014.

Extinção de animais pode agravar efeito das mudanças climáticas

Ausência de espécies frugívoras de grande porte pode interferir no processo de sequestro de CO2 da atmosfera
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 17:00 18 de dezembro de 2015

© GUILHERME JOFILI / FLICKR
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Animais frugívoros como as cutias cumprem funções importantes em relação às plantas, por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas
A extinção de animais frugívoros, que se alimentam sobretudo de frutos, como antas, cutias e muriquis poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Isso porque a extinção desses animais capazes de dispersar sementes de frutos grandes mudaria a composição das florestas, afetando seu potencial para combater alterações climáticas. A relação foi observada por um grupo de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais sob coordenação do biólogo brasileiro Mauro Galetti e sua orientanda de doutorado, Carolina Bello, ambos do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, interior de São Paulo. Em um artigo publicado nesta sexta-feira, 18, na revista Science Advances, eles relacionam a composição e a abundância de espécies de árvores, bem como o tipo de dispersão de suas sementes, à padrões de dureza da madeira e altura. Essa é uma maneira de medir o quanto uma árvore pode estocar carbono.
Os pesquisadores estimaram a perda da capacidade de estoque de CO2 na Mata Atlântica a partir de diferentes cenários de defaunação, como é conhecida a diminuição acentuada da população de animais em um ecossistema, em geral induzida por atividades humanas como desmatamento e caça ilegal. Ao simular a extinção local de árvores que dependem da dispersão de suas sementes por grandes frugívoros na Mata Atlântica, os pesquisadores verificaram que a defaunação comprometeria significativamente a capacidade de armazenamento de CO2 pela floresta. Esses animais, há algum tempo se sabe, cumprem funções importantes em relação às plantas, seja por polinizar as flores ou por comer os frutos e dispersar as sementes, favorecendo a regeneração natural das florestas.
© MIGUEL RANGEL JR/FLICKR
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A extinção de animais que se alimentam sobretudo de frutos, como os muriquis, poderá comprometer a capacidade das florestas tropicais de absorver CO2 da atmosfera
No estudo, a equipe de Galetti observou que árvores com troncos grandes e duros têm sementes igualmente grandes. Logo, quanto maior a semente, tanto maior será a árvore. Árvores grandes, por sua vez, são capazes de sequestrar e armazenar maiores quantidades de carbono. Por meio de simulações computacionais, os pesquisadores verificaram que à medida que dispersores de sementes grandes eram progressivamente extintos, também as árvores grandes tornavam-se menos abundantes. Em outras palavras, na ausência de antas, bugios e muriquis, a floresta mudava para uma composição de espécies de árvores de sementes pequenas e madeira “mole”. Com o tempo, segundo eles, a tendência é que somente as sementes menores sejam encontradas na natureza, em um efeito cascata induzido pela ação humana que pode desencadear mudanças ecológicas significativas. “As sementes de canelas, jatobás e maçarandubas, por exemplo, são grandes e dispersadas apenas por animais grandes, como antas e muriquis”, diz Galetti. “Essas árvores são as de madeira mais nobre e as que estocam mais carbono”, explica.
A Mata Atlântica é um dos mais degradados ecossistemas brasileiros, do qual restam, segundo algumas estimativas, aproximadamente 12% da cobertura original – mais de 80% da vegetação remanescente encontra-se altamente fragmentada em áreas com menos de 50 hectares. De acordo com os pesquisadores, o mesmo raciocínio que eles aplicaram à Mata Atlântica pode ser extrapolado para outros ambientes, como o amazônico, cujas espécies de árvores que retêm até 50% de CO2 da atmosfera dependem em grande medida da dispersão das sementes por frugívoros de grande porte. Segundo eles, os resultados ressaltam a importância de se considerar os animais como parte fundamental no processo de redução de emissões de gases do efeito estufa por meio do armazenamento de carbono em florestas tropicais.
ProjetoLigando defaunação e os serviços de ecossistemas de armazenamento de carbono em florestas atlânticas (nº 2013/22492-2); Modalidade Bolsa no país — doutorado;Pesquisador responsável Mauro Galetti Rodrigues (Unesp); Bolsista Laura Carolina Bello Lozano (Unesp); Investimento R$ 140.088,00 (FAPESP)
Artigo científicoBELLO, C. et alDefaunation affects carbon storage in tropical forestsScienceAdvances. dez. 2015.


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Brejos isolam bicudinhos

Brejos isolam bicudinhos

© GLAUCIA DEL-RIO
Bicudinho-do-brejo-paulista: divergência genética grande entre populações
Bicudinho-do-brejo-paulista: divergência genética grande entre populações
Descrito oficialmente no final de 2013, o bicudinho-do-brejo-paulista (Formicivora paludicola) ocorre em apenas 15 brejos perto das nascentes dos rios Tietê e Paraíba do Sul, no entorno da Região Metropolitana de São Paulo. Um estudo coordenado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, com bicudinhos provenientes dos três brejos mais importantes indica que a população de cada região apresenta níveis de estruturação e diferenciação genética só antes encontrados em grupos isolados de aves que habitam os topos de montanhas na África (PLoS One, 8 de outubro). Cada população vive em um brejo distante cerca de 60 quilômetros dos outros dois e parece apresentar um elevado grau de adaptação às condições locais. Por isso os autores do trabalho recomendam não transferir exemplares de uma localidade para outra. O artigo também traz um dado relativamente otimista sobre a espécie que desde sua descoberta se sabe criticamente ameaçada de extinção: a população total pode chegar a 600 aves, o dobro da inicialmente estimada.


quarta-feira, 4 de novembro de 2015

A origem dos caboclinhos

Estudos flagram o processo de surgimento de 11 espécies em grupo de aves da América do Sul
MARCOS PIVETTA | ED. 236 | OUTUBRO 2015


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O material genético e a aparência física de 11 espécies de caboclinhos, pequenas aves de áreas abertas da América do Sul que comem sementes e pertencem ao gêneroSporophila, o mesmo de seu primo curió, contam uma história evolutiva singular, ainda em construção, difícil de ser flagrada. Estudos recentes feitos a partir do sequenciamento de diferentes trechos de seus genomas indicam que oito dessas espécies – justamente as que devem ter se originado há menos tempo e vivem próximas entre si, partilhando, às vezes, um mesmo hábitat – conservam um DNA extremamente parecido, indistinguível para fins de identificação taxonômica. Segmentos do genoma de uma espécie se encontram misturados ao de outra espécie, formando um mosaico molecular.
Ainda assim, os machos de cada espécie apresentam diferenças nítidas em sua morfologia, em especial no padrão de cores e de emissão de sons. “A plumagem e o canto nas aves evoluem de forma mais rápida do que a maioria das diferenças genéticas”, diz Luís Fábio Silveira, curador da seção de Ornitologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), autor de trabalhos recentes com os caboclinhos ao lado do biólogo evolutivo argentino Leonardo Campagna, que faz estágio de pós-doutorado no Laboratório de Ornitologia da Universidade Cornell, Estados Unidos. Apenas as três espécies mais antigas, o caboclinho-de-peito-castanho (S. castaneiventris), o caboclinho-lindo (S. minuta) e o caboclinho-comum (S. bouvreuil), acumularam diferenças significativas em seu DNA a ponto de os exames moleculares serem capazes de diferenciá-las entre si e das demais.
O caboclinho-de-peito-castanho e o caboclinho-lindo vivem em áreas distintas do norte da América do Sul e suas populações quase não têm contato com os exemplares das oito espécies mais jovens. O caboclinho-comum, como seu nome popular indica, é a forma mais abundante e ocorre no Pará, em todo o Nordeste e Sudeste, e em trechos do Centro-Oeste (ver mapa com a distribuição geográfica das espécies). Sua área de ocorrência tem pontos de interseção com a das demais espécies. “A parte do genoma que produz a diferença morfológica entre as espécies deve ser pequena”, afirma Campagna. Em junho do ano passado, um estudo publicado na revista Naturemostrou que o DNA de duas espécies europeias de corvo, a gralha-preta (Corvus corone) e a gralha-cinzenta (Corvus cornix)era praticamente idêntico. A diferença equivalia a menos de 0,28% do genoma, apesar da distinção de cores característica de cada ave.
© CESAR MEDOLAGO
Macho de caboclinho-branco faz a corte da fêmea: ave reconhece parceiro da espécie
Macho de caboclinho-branco faz a corte da fêmea: ave reconhece parceiro da espécie
seDe acordo com os trabalhos da dupla Silveira e Campagna, o S. bouvreuil é o parente vivo mais próximo das oito espécies mais jovens de caboclinho, que habitam o sul do Brasil, Uruguai, Paraguai, norte da Argentina e leste da Bolívia. “Antes se acreditava que era o S. minuta”, comenta Campagna. Essas espécies de origem mais recente, que devem ter surgido entre 1,2 milhão e 500 mil anos atrás, são o caboclinho-de-barriga-vermelha (S. hypoxantha), caboclinho-de-barriga-preta (S. melanogaster), caboclinho-de-papo-escuro (S. ruficollis), caboclinho-de-papo-branco (S. palustris), caboclinho-do-sertão (S. nigrorufa),  caboclinho-de-chapéu-cinzento (S. cinnamomea), caboclinho-de-sobre-ferrugem (S. hypochroma) e caboclinho-branco (S. pileata). As cinco primeiras estão ameaçadas de extinção. O brasileiro e o argentino, que estudavam em separado os caboclinhos até 2013, quando resolveram trabalhar em conjunto, publicaram dois artigos sobre esse grupo de aves. O primeiro saiu em 2013 no periódico The Auk e o segundo em agosto deste ano na Molecular Ecology. Todos os tipos de caboclinho têm aproximadamente 10 centímetros de comprimento total e 7 gramas de peso, e são apreciados por u bonito canto.
Fêmeas iguais
Diferentemente dos machos, as fêmeas e as aves jovens das 11 espécies de caboclinhos são muito semelhantes na aparência externa, com plumagem de cores menos chamativas. Isso faz com que seja difícil atribuir a que espécie pertence um exemplar do sexo feminino ou um filhote levando-se em conta apenas esse parâmetro. Em geral, as fêmeas têm o dorso mais escuro, amarronzado, e a parte ventral é mais clara, em tons de oliva. Como a existência de híbridos entre as 11 espécies é praticamente desconhecida na natureza, os pesquisadores acreditam que as aves tenham algum mecanismo, talvez o canto e a distribuição geográfica, que lhes permita reconhecer o parceiro sexual de sua espécie e, assim, reproduzir-se com os companheiros corretos. Também há evidências de que a plumagem das fêmeas possa exibir tonalidades na faixa do comprimento de onda do ultravioleta, invisível ao olho humano, mas não ao das aves. Esse seria um mecanismo extra de reconhecimento entre as espécies.

Em gaiolas em sua casa em São Paulo, Silveira está criando as 11 espécies com o intuito de entender os mecanismos que guiam a reprodução dos diferentes tipos de caboclinho. Quando um casal de aves cruza e produz filhotes saudáveis, o ornitólogo assume que a fêmea encontrou o macho de sua espécie. Ele então separa a dupla para posteriores estudos. Se os passarinhos recém-nascidos morrem depois de um tempo, provavelmente houve um cruzamento de duas espécies distintas, que perderam a capacidade de produzir híbridos sadios. “Não dá para descartar a existência de híbridos de caboclinhos, até porque é difícil identificar a espécie dos exemplares juvenis, mas nunca encontrei um deles na natureza”, pondera Silveira. Outra particularidade que dificulta o reconhecimento das espécies é que os machos periodicamente perdem sua típica plumagem colorida, antes de migrar para o norte do país para fugir do frio invernal do sul, e ficam parecidos com as fêmeas.
© P. R. GRANT
Espécies de tentilhão de Galápagos com bico grosso e...
Espécies de tentilhão de Galápagos com bico grosso e…
A dupla de pesquisadores acredita estar diante de um caso complexo de especiação em curso, processo evolutivo em que, a partir da população de uma hipotética espécie ancestral, surgem outras espécies. “Essa é uma história que está em construção há poucos milhões de anos”, afirma Campagna. Por ora, os estudos genéticos e as análises sobre a morfologia e a distribuição geográfica das espécies permitem traçar um cenário aproximado da provável história evolutiva dos caboclinhos da América do Sul. O gênero Sporophila, que literalmente significa comedor de sementes, compreende atualmente 38 espécies. Após a subida do istmo do Panamá, evento geológico que conectou as duas metades do continente uns poucos milhões de anos atrás (as previsões variam de 3 milhões a 12 milhões de anos), exemplares de Sporophila se dispersaram pelas Américas Central e do Norte. Silveira e Campagna trabalharam com um subconjunto de todo o gênero, os chamados caboclinhos do sul, as tais 11 espécies.
A maioria dessas espécies foi descrita nos séculos XVIII e XIX. Foram, portanto, alçadas a esse status há mais de um século, quando os taxonomistas usavam fundamentalmente a aparência externa, o canto, o hábitat e o comportamento das aves para diferenciá-las. “Seu esqueleto é idêntico. A partir da análise dos ossos também não é possível distinguir as espécies”, comenta Silveira. Em boa parte dos casos, o nome popular da ave destaca seu principal traço físico, a marca registrada que faz os taxonomistas reconhecê-la em meio a espécies semelhantes. O caboclinho-de-papo-escuro tem, por exemplo, uma mancha negra abaixo do bico e o caboclinho-branco é a espécie com mais quantidade de plumagem alva.
Segundo os estudos recentes da dupla, que analisou o DNA mitocondrial (herdado apenas da mãe) e 3 mil marcadores moleculares presentes no DNA desse grupo de aves, o representante mais antigo conhecido dessa linhagem é o caboclinho-de-peito-castanho, que ocorre no norte da América do Sul. Os caboclinhos foram se diversificando e construindo uma jornada evolutiva que os levaria a ocupar também a porção meridional do subcontinente. Uma outra população ancestral teria, ao longo do processo evolutivo, se modificado e gerado o caboclinho-lindo, cujo hábitat por excelência é a Amazônia. Do estoque que originou essa espécie derivaria também o caboclinho-comum, que vive numa vasta porção do Nordeste e do Sudeste do Brasil e teria sido o responsável por gerar uma grande diversidade de formas à medida que foi ocupando novas áreas ao sul do subcontinente. “Ao menos oito espécies surgiram mais ou menos ao mesmo tempo. Elas compartilharam um ancestral comum com o S. bouvreuil e, antes disso, dividiram outro ancestral comum entre elas”, diz Campagna.
© PUTNEY MARK / WIKIMEDIA COMMONS
... e com bico fino: Darwin percebeu a diferença no século XIX e um estudo recente identificou gene associado a esse traço físico
… e com bico fino: Darwin percebeu a diferença no século XIX e um estudo recente identificou gene associado a esse traço físico
Os modernos estudos de genética de populações permitem, em alguns casos, calcular quando uma espécie teria surgido. Silveira e Campagna estimam que as espécies derivadas do caboclinho-comum tomaram forma entre 1,2 milhão e 500 mil anos atrás. Nesse momento, as estimativas sugerem que as populações de aves do gênero Sporophila teriam aumentado 10 vezes de tamanho. O gigantismo desse bando ancestral é citado como uma das possíveis explicações para ainda não ser possível ver distinções evidentes no DNA das formas mais recentes de caboclinho. “Espécies derivadas de populações muito grandes demoram mais tempo para fixarem suas diferenças no genoma”, afirma o biólogo argentino. Esse fenômeno se deve aos efeitos da deriva genética, que a cada geração faz com que alguns indivíduos herdem certas características simplesmente por acaso (não em razão da seleção natural, de alguma mutação ou da migração de populações). Os efeitos da deriva são mais lentos em grupos oriundos de populações numerosas.
A história dos caboclinhos remete à de outro grupo de aves, os tentilhões das ilhas Galápagos, no Equador.  Essas aves se tornaram um exemplo clássico do processo de especiação e de adaptação evolutiva e foram citadas no livro A origem das espécies,  de  Charles Darwin (1809-1882), que lançou as bases da teoria da seleção natural.  O naturalista inglês percebeu que o formato do bico dos tentilhões variava nas diferentes ilhas do arquipélago do Pacífico. O avanço dos estudos evolutivos mostrou que esse traço físico varia em função do tipo de alimentação disponível no território em que os tentilhões habitam, da competição entre as espécies e do isolamento geográfico. Em boa parte das ilhas do arquipélago do Pacífico, há tentilhões com bicos de formato diferente, adaptados à oferta local de comida. Os tentilhões de terra, por exemplo, tendem a ter bicos mais largos, mais hábeis para quebrar sementes. Os tentilhões canoros apresentam bicos finos e pontudos, bons para espetar insetos.
O casal de biólogos evolucionistas britânico Peter e Rosemary Grant, professores eméritos da Universidade de Princeton, Estados Unidos, disse em seu mais recente livro, 40 years of evolution: Darwin’s finches on Daphne Major island(40 anos de evolução: tentilhões de Darwin na ilha Daphne Maior, em tradução livre), lançado em 2014, que os caboclinhos parecem ser uma espécie de versão em terra firme dos tentilhões de Darwin. “Em muitos aspectos, os caboclinhos podem ser o equivalente continental dos tentilhões de Darwin”, escreveram os Grant, que, durante quatro décadas, passaram seis meses por ano em Galápagos. O casal, aliás, foi coautor de um trabalho da Universidade de Uppsala, Suécia, publicado em fevereiro deste ano na Nature que divulgou o sequenciamento de todo o genoma das 14 espécies de tentilhão de Galápagos e uma da Ilha do Coco, também no Pacífico, mas pertencente à Costa Rica. Um dos resultados foi a identificação do gene ALX1 como um dos responsáveis pelo formato dos bicos das aves.
Espécie ou variação morfológica
Nem todos os taxonomistas concordam com a ideia de que os 11 tipos diferentes de caboclinho devem ser vistos como espécies distintas. Ainda que a morfologia, alguns hábitos e a distribuição geográfica apresentem particularidades, ao menos oito espécies são praticamente iguais do ponto de vista molecular. “Se não há alterações genéticas que expliquem as diferenças no fenótipo, não há por que considerar algumas formas de caboclinho como espécie”, afirma o biólogo Miguel Trefaut Rodrigues, taxonomista especializado em répteis do Instituto de Biociências (IB) da USP, amigo  de Silveira. “Classificar seres vivos é sempre difícil. Mas a genética torna esse trabalho menos impreciso.” Para ele, as oito espécies mais novas de caboclinhos, cujo DNA é indistinguível entre si, deveriam ser consideradas como uma única espécie que apresenta diferentes morfologias, no caso um padrão de cores distinto na plumagem.

© ANDREAS TREPTE / WWW.PHOTO-NATUR.DE
... e gralha-cinzenta: as duas espécies europeias de corvo apresentam plumagem de cor distinta, mas seus genomas diferem em menos de 0,28%
… e gralha-cinzenta: as duas espécies europeias de corvo apresentam plumagem de cor distinta, mas seus genomas diferem em menos de 0,28%
O biólogo evolutivo Fábio Raposo do Amaral, docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campusde Diadema, prefere não entrar no mérito da questão se as formas mais recentes de caboclinhos devem ser consideradas como espécies diferentes ou como uma variação morfológica (de aparência externa) de uma única espécie. “No passado recente, fomos ingênuos e achamos que a genômica iria resolver automaticamente as questões taxonômicas mais complexas”, diz Amaral, que trabalha com aves. “Mas os caboclinhos estão numa situação intermediária, em que há um descompasso entre a variação morfológica e a genética. Mesmo com grandes conjuntos de dados em mãos, ainda temos muito o que aprender sobre como surgem as espécies.”
Silveira e Campagna esperam realizar novos estudos que talvez consigam encontrar assinaturas moleculares no genoma de cada espécie do gênero, talvez os genes responsáveis por algum traço específico, como fizeram os pesquisadores com o gene ligado à formação do bico nos tentilhões de Darwin. “Nossa ideia é sequenciar trechos do genoma que podem estar ligados à produção da cor nas penas de cada espécie”, diz o curador de seção de ornitologia do MZ-USP.
Artigos científicos
CAMPAGNA, L. et al. Distinguishing noise from signal in patterns of genomic divergence in a highly polymorphic avian radiation. Molecular Ecology. v. 24, n. 16, p. 4238-51. ago. 2015.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Espécie Chave

Uma espécie-chave é aquela que afeta muitos outros organismos em um ecossistema e ajudam a determinar os tipos e números de várias outras espécies em uma comunidade. Ela desempenha um papel crítico na manutenção da estrutura de uma comunidade ecológica. O relacionamento da espécie chave com a cadeia trófica é de forte interação. Alterações na população da espécie chave se propagam ao longo da cadeia alimentar determinando grandes mudanças e alterando a composição de uma determinada comunidade biológica. As espécies chave podem estar em qualquer nível trófico, não necessariamente no topo da cadeia alimentar.
“É importante salientar que todas as espécies exercem sua importância em uma comunidade e a influenciam em graus diferentes, mas algumas são mais influentes que outras. O que torna o conceito claro é o reconhecimento de que um distúrbio numa população de alto grau de influencia causa efeitos diretos e indiretos em outras populações alterando a estrutura da comunidade. Na prática, o conceito e a identificação de espécies-chave têm papel significativo na conservação, pois mudanças na sua riqueza trazem consequências para outras espécies. A retirada de uma espécie de uma comunidade pode ser um importante meio para se estudar e revelar as atividades de uma teia alimentar”.
Existe até formulas propostas para definir o quão importante uma determinada espécie é para comunidade, porém o mais importante que o fator teórico e acadêmico é perceber em campo que espécie desempenha um papel preponderante na composição de certa comunidade que alteração em sua população pode desestruturar drasticamente a comunidade. Não é um trabalho fácil devido as intricadas redes ecológicas. Tais espécies podem ser raras, especialistas, generalistas ou comuns. Difícil tarefa!
“O uso do termo cresceu desde que foi criado, o que levou alguns autores a indagarem se tem algum valor. Outros sugeriram uma definição mais estrita, isso faz com que exemplos comuns sejam desligados do conceito, como dominantes ecológicos em níveis tróficos baixos, onde uma espécie pode oferecer o recurso dos quais várias outras espécies dependem. Em resposta, Mills, 1993 e um grupo de ecologistas denominado “Keystone Cops”, propuseram a primeira definição operacional para espécies-chave, baseada na biomassa proporcional de espécies em relação a sua importância na comunidade. De acordo com o Keystone Cops, uma espécie trapezóide é uma espécie cujos efeitos nos ecossistemas é muito grande se relacioná-los a sua baixa biomassa. Não existe consenso entre pesquisadores sobre o conceito de espécies-chave.
Como exemplo de espécie-chave, temos o estudo de Redford (1984) analisou Cornitermes culuman, uma espécie de cupim do Cerrado, que pode ser considerada espécie-chave devido a sua grande abundância e impacto no ambiente. Esses insetos direcionam para si uma proporção considerável do fluxo de energia e têm a capacidade de digerir celulose, atingindo biomassa elevada e ao mesmo tempo servindo de alimento para um grande número de organismos, além de arejar melhor o solo, com seus túneis, e movimentar verticalmente a estrutura do solo. Os cupinzeiros servem de abrigo a uma fauna diversa, incluindo artrópodes, vertebrados e outros grupos. Os seus ninhos velhos servem de substrato para o desenvolvimento de várias plantas.
Outro exemplo do bioma cerrado “são as representantes de Malpighiaceae, como Byrsonima intermedia são consideradas fontes de óleo floral para guilda de abelhas coletoras de óleo, principalmente dos grupos Centridini (Centris e Epicharis), Tapinotaspidini (e.g., Monoeca, Paratetrapedia) e Tetrapediini (e.g., Tetrapedia) (Apidae não corbiculados). As abelhas do grupo Centridini têm papel importante como polinizadores de numerosas espécies vegetais e correspondem ao grupo mais diversificado de abelhas coletoras de óleo nas florestas neotropicais e Cerrado, especialmente de espécies de Malpighiaceae. Dessa forma, espécies neotropicais de Malpighiaceae são recursos-chave para a manutenção e sobrevivência das abelhas coletoras de óleo, sendo um exemplo de produtor primário como espécie-chave. O atraso e, ou redução na floração da espécie Byrsonima crassifólia, descrito por Vilas Boas, promoveu declínio de abelhas Centris e Epicharis. Tendo em vista a manutenção de processos ecológicos como a polinização, fundamentais para a conservação dos ecossistemas naturais, em especial o cerrado”.
Exemplos de espécies chaves são fartos na literatura principalmente nos climas temperados que possuem cadeias menos complexas que os climas equatoriais e tropicais.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Extinção em massa: quem morre e quem sobrevive depende da teia alimentar

Os especialistas dão-lhe o nome de Grande Morte (Great Dying, na expressão em inglês). Aconteceu num piscar de olhos geológico, há 252 milhões de anos, quando um vasto evento vulcânico na Sibéria cuspiu gases nocivos e uma quantidade de lava suficiente para formar um novo continente do tamanho da Europa.
O ar tornou-se mais quente e mais seco, os incêndios assolaram a paisagem e o oceano tornou-se tóxico. Em poucas dezenas de milhares de anos, perderam-se 90% das espécies marinhas e três quartos da vida terrestre. “Foi devastador”, diz o paleontólogo Peter Roopnarine. “Nunca a vida na Terra esteve tão perto de desaparecer por completo.”
Mas os cientistas ainda têm muitas perguntas acerca do que aconteceu durante a Grande Morte, formalmente conhecida como a extinção em massa do fim do Pérmico. Quais foram às primeiras espécies a desaparecer? Quando é que os ecossistemas colapsaram totalmente? Quem morreu, quem sobreviveu – e por quê?
Roopnarine pensa ter encontrado uma pista: a ideia de que a estabilidade da teia alimentar – essa complexa hierarquia de quem come quem – seria capaz de proteger as espécies quando um desastre acontece. Pelo menos durante algum tempo.
As questões relativas à sobrevivência das espécies tornaram-se mais prementes nos últimos anos, à medida que um número cada vez maior de cientistas tem vindo a acreditar que o planeta poderia estar a encaminhar-se rapidamente para outra extinção em massa – desta vez provocada pelos seres humanos.
Se de facto a vida na Terra for levar outro golpe trágico, a melhor maneira de se preparar parece consistir em saber como se desenrolaram, no passado, situações semelhantes. Esses eventos de extinção em massa representam, como gosta de frisar Roopnarine, “experiências naturais” que põem à prova a capacidade de sobrevivência das espécies.
O único problema é que, no fim do Pérmico, não havia lá ninguém para tirar apontamentos (os polegares oponíveis demorariam 247 milhões de anos a evoluir, e seria preciso esperar mais uns milhões de anos ainda até alguém inventar o papel).
Foi por isso que Roopnarine, o curador de geologia da Academia das Ciências da Califórnia, e o paleobiólogo Kenneth Angielczyk, curador associado do Museu Field de Chicago, reconstruíram eles próprios, minuciosamente, aquela antiga “experiência” utilizando dados fósseis e modelos de computador. Algo que ninguém tinha feito até aqui. Os seus resultados, publicados na revista Science, fornecem alguns indícios sobre como a vida consegue gerir crises de proporções monumentais.
A chave da sobrevivência parece residir nas teias alimentares, as complicadas interações que todos nós já mapeámos com certeza na escola. Elas ilustram como as espécies de um ecossistema arranjam comida – evitando ao mesmo tempo tornar-se comida para outros. Ora, segundo estes autores, uma teia alimentar estável pode proteger uma comunidade das catástrofes ambientais – e até da perda de algumas espécies.
As melhores teias alimentares são como um prédio bem construído: mesmo que um tijolo se desfaça, ou seja, removido, a estrutura no seu conjunto permanece sólida. E só quando algo de realmente traumático acontece – quando, por exemplo, se perdem demasiadas espécies ou uma espécie-chave desaparece – é que a coisa toda se desmorona.
Olhando para fósseis com 250 milhões de anos de idade, provenientes da bacia do Karoo, na África do Sul – uma região conhecida pelas suas quintas de criação de animais de caça e o seu registo fóssil em excelente estado de conservação – Roopnarine e Angielczyk reconstituíram as teias alimentares do Pérmico anteriores à extinção em massa. Para isso, começaram por fazer um trabalho no terreno naquela vasta e quase desértica zona varrida pelos ventos. E depois, sentados em frente a um computador num laboratório norte-americano, tentaram mapear quem comia o quê naquele antigo mundo.
Numa segunda fase, desmontaram essas teias alimentares e reformularam-nas, obtendo novas configurações, para ver como outras teias alimentares possíveis responderiam a um cataclismo. Um pouco à maneira de alguém que, deitando fora as instruções do kit de montagem de uma secretária, por exemplo, constrói no seu lugar um carrinho de apoio de mesa.
Resultado notável: foi à cadeia alimentar do mundo real que demonstrou ser a combinação possível mais resiliente de espécies que viviam naquela altura. Por outras palavras, foi a partir do manual de instruções da natureza que se construíram os sistemas mais estáveis.
“Parecer ter havido uma manutenção permanente da resiliência”, diz Angielczyk. “Mesmo se algum desastre viesse a atingir algumas espécies, isso não iria afetar as outras.”
E mesmo quando confrontados com a fase inicial da extinção em massa do fim do Pérmico, numa altura em que os pequenos animais já estavam a morrer em grandes quantidades, as teias alimentares permaneceram sólidas. Se o vulcanismo que desencadeou a extinção não tivesse durado tanto tempo (cerca de um milhão de anos), alguma vida poderia ter conseguido escapar incólume à catástrofe.
Só que nem as teias alimentares mais estáveis conseguem resistir a um milhão de anos de secas, fogos florestais, de acidificação dos oceanos e de alterações climáticas descontroladas. E a dada altura, as plantas – que eram o alicerce das teias alimentares do Karoo – começaram a desaparecer. Dos 50 géneros (grupos de espécies) que existiam no Karoo antes do evento, apenas cinco emergiram dessa segunda fase de extinções.
Porém, o mundo que essas espécies viram então surgir era muito menos agradável do que o mundo que tinham deixado para trás. Embora novas espécies tivessem depressa emergido para preencher o vácuo deixado pelos seus extintos predecessores, muitas acabariam rapidamente por morrer.
De facto, essas teias alimentares “reconstituídas” eram muito menos estáveis do que as que tinham perdurado durante o período Pérmico – o que mostra que não bastam umas quantas espécies novas para reconstruir um ecossistema. As interacções tinham primeiro de evoluir e de melhorar. E seriam precisos três a cinco milhões de anos para que a vida na Terra conseguisse novamente assentar, dando origem à idade dos dinossauros.
“O que está a acontecer hoje é diferente da extinção em massa de há 250 milhões de anos”, diz Roopnarine. “Em termos de exploração excessiva de recursos, de alterações climáticas, de perda de habitats e de destruição da natureza, estamos a ir muito para além da experiência vivida por qualquer outra espécie.”
Mas o que sabemos, acrescenta, é que a melhor maneira de prever a sobrevivência dos ecossistemas é olhar para a estabilidade da sua teia alimentar: Quem come quem? Quais são as espécies que asseguram a coesão do conjunto? Quais são as espécies que um ecossistema pode perder sem grande impacto, tal como aconteceu com os pequenos vertebrados das teias alimentares do fim do Pérmico?
Proteger um animal de quem todos gostamos – como o panda-gigante ou o bisonte-americano – poderia revelar-se fútil se não protegermos ao mesmo tempo a comunidade à qual pertencem. “Não se trata apenas de preservar as espécies, trata-se de preservar as suas interações”, diz Roopnarine. “Mas isso significa que temos de perceber essas interações.”
Atualmente, as teias alimentares modernas ainda são algo misteriosas, acrescenta. E quando as conseguimos perceber, isso acontece muitas vezes depois de alguma coisa ter corrido mal – como no caso dos recifes de corais das Caraíbas. E então, já é tarde demais para fazer seja o que for.
O registo fóssil dos últimos 20.000 a 30.000 anos – que nos parece uma eternidade, mas representa apenas um instante em termos geológicos – está recheado de esqueletos de espécies extintas por predadores humanos ou pela destruição dos habitats: o mamute-lanudo, o dodó, o dugongo-de-steller. Do ponto de vista da paleontologia, “isto tem certamente o aspecto de algo do tipo extinção em massa”, diz Angielczyk.
Se quisermos ter a certeza de que as espécies existentes vão sobreviver às pressões da vida moderna, temos de perceber o que mantém estáveis as comunidades modernas. E, entretanto, “temos de ser muito cautelosos”, alerta Angielczyk. Não sabemos o que é que poderia vir a desencadear a próxima Grande Morte.

Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO

quinta-feira, 8 de outubro de 2015


SLOSS

Uma revolução na ciência biológica se deu quando o proeminente matemático Robert MacArthur e o biólogo especialista em formigas O. Wilson se juntaram para estudar a dinâmica da biodiversidade em ilhas. Com auxílio da matemática e exaustivos trabalhos de campo foi possível chegar a modelos matemáticos que previam e explicavam o comportamento da ocupação, extinção e dinâmica da biodiversidade nas ilhas. Os estudos foram realizados em várias ilhas pelo mundo afora.
Para se ter idéia da complexidade dos estudos, minúsculas ilhas foram cobertas com lonas e fumigadas com brometo de metila para que se desse cabo de todos os seres que a ocupavam. Anteriormente, porém foram inventariadas as espécies que lá viviam. Após a fumigação com gás mortal apenas as árvores permaneceram vivas. Iniciou-se o levantamento das espécies que voltaram a ocupar a ilha onde foram medidas por anos as taxas de ocupação. Levantados os dados as equações e gráficos eram montadas e novamente testado o modelo em campo. Assim estabeleceu-se um padrão que fez com que a nova ciência da biogeografia fosse conhecida pelos seus padrões tais como: Tamanho X diversidade / Proximidade entre ilhas X diversidade / Formato X Diversidade, Turnover etc.
Logo se percebeu que o efeito de ilhas não se daria apenas em ilhas propriamente ditas perdidas no oceano. Um fragmento florestal cercado por soja também deveria ter os mesmos padrões propostos por MacArthur e Wilson? Assim o conceito de insularidade ampliou-se para qualquer ambiente que por algum motivo estivesse isolado da porção maior.
Eu estava estudando isso quando um sobrinho me falou que iria morar em uma ilha isolada que não acompanharia a “manada”, pois assim estaria resguardado da destruição ambiental. Pensei será? Que tamanho terá essa ilha? Ironicamente ainda pensei no Turnover (Será que quando ele entrar nesta ilha alguém sairá?). E será que o homem moderno ainda permite ambiente equilibrado?
Diamont Jared ecólogo dos mais proeminentes lançou um livro: “The island dilemma; Lessons of modern biogeographic studies for the desing of natural reserves“ (O dilema das ilhas; Lições de estudos biogeográficos modernos para o delineamento de reservas naturais)
Segundo Dianmond já que a teoria do equilíbrio das ilhas estava dominada seria uma importante ferramenta para demarcar os limites das reserva e parque naturais. Poderíamos saber que tamanho a preservar para se manter o equilíbrio da biodiversidade. Depois de toda sua argumentação lógica a conclusão que chegou foi de que:
·         Uma Reserva grande pode abrigar mais espécies em equilíbrio do que uma reserva pequena.
·         Uma reserva localizada próxima de outras reservas pode abrigar mais espécies do que reserva remota.
·         Um grupo de reservas tenuamente ligadas entre si – ou pelo menos, proximamente agrupadas – poderá abrigar mais espécies do que um grupo de reservas separadas ou ordenadas em linha reta. (Olha ai a importância dos corredores ecológicos)
·         Uma reserva redonda conterá mais espécies que uma alongada.

Estes princípios foram apresentados também graficamente e deram o que falar no mundo científico. A conceituada revista “Nature” publicou vários artigos de cientistas especializados a favor e contra os princípios propostos principalmente no mais controverso, pois graficamente Diamond mostrava que quatro pequenas ilhas era piores (em termos de diversidade) que uma grande ilha com o mesmo tamanho da soma das quatro.
Assim nasceu a sigla: SLOSS (“single large or several small”) – Uma grande ou várias pequenas.
O debate SLOSS é duplamente interessante:
1 – Qual a estratégia ideal para projetar reservas naturais?
2 – O que diz a teoria do equilíbrio sobre a estratégia ideal para projetar reservas naturais?
Os argumentos de um lado e outro quanto ser uma maior em detrimento de várias pequenas era acalorado e deixam duvidas:
Várias pequenas poderiam oferecer proteção a alguma catástrofe qualquer, como um invasor predador, um incêndio florestal, um vulcão. Ocorrendo em uma não necessariamente ocorreriam em todas. Assim se tais catástrofes ocorressem em uma única reserva grande poderia erradicar populações inteiras. O lema era: “Não coloque todos os seus ovos em uma única cesta”
Já a argumentação do outro lado dizia que uma grande reserva protegeria seu interior com mais segurança enquanto as várias pequenas sofreriam mais interferência em suas fronteiras. Uma grande reserva seria também mais protetiva a grandes predadores e etc.
Chegou a alguma conclusão? Tem assunto neste SLOSS para dar com pau,
Nossas reservas quando são demarcadas levam prioritariamente outros aspectos que não os princípios científicos tais como: Recurso financeiro, oportunidade, política de governo etc...
Assim fica ainda mais evidente que a política de corredores ecológicos deveria ser a política legal de maior importância em detrimento a reservas legais ilhadas. Também se desenvolve o conceito de conservacionismo comunitário onde a conservação não se deve restringir a parques e unidades legalmente estabelecidas, mas também na paisagem rural, uma vez que apenas 4% das áreas do planeta estão protegidas legalmente. Assunto para outra vez...
O pensamento mais avançado direciona a demarcação de reservas a viabilidade populacional e espécies chaves, isto é: Espécies chaves são aquelas cruciais para preservar a coexistência de uma comunidade ecológica ao longo do tempo.
Lógico esse assunto não acaba aqui tem muitas outras histórias para contar incluindo o decaimento ambiental. Também assunto para outra vez...
Voltando ao meu sobrinho, esse texto é um recado para que ele leia e não se esqueça de me levar junto para essa ilha tão sonhada e equilibrada. E seria grande ou pequena?
Estou aguardando!


quarta-feira, 7 de outubro de 2015


RATOEIRA VIVA

Biólogos que estudam marsupiais e roedores podem recrutar assistentes de campo inusitados: corujas. Altamente qualificada é a suindara (Tyto furcata), caçadora exímia de pequenos mamíferos (a ponto de ser apelidada de “ratoeira que voa”) que existe em praticamente todo o Brasil. São auxiliares eficazes porque, como outras corujas, comem as presas inteiras e depois regurgitam ossos e pelos numa bolota seca. Um grupo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), coordenado pelo biólogo Yuri Leite, analisou o DNA extraído de regurgitados de suindara encontrados no sul do Pará, na fronteira com Mato Grosso e Tocantins, às margens do rio Araguaia – uma região de transição entre Cerrado e Amazônia (Systematics and Biodiversity, maio).
FOTO: Moisés Silva Lima

 Depois de comer roedores inteiros...
O material foi coletado durante o doutorado da bióloga portuguesa Rita Rocha, orientado por Carlos Fonseca, da Universidade de Aveiro, e Leonora Costa, da Ufes. O material genético derivado das ossadas revelou 11 espécies de mamíferos, dos quais dois eram marsupiais novos para aquela área – até então conhecidos apenas no norte da Amazônia. Alguns dos roedores consumidos pela coruja podem pertencer a espécies desconhecidas. Diante da eficácia das aves, os pesquisadores sugerem que zoólogos sempre coletem regurgitados, um procedimento simples e que não requer cuidados especiais de armazenamento.

CACTOS EM EXTINÇÃO

Quase um terço dos cactos do mundo sofre alguma ameaça de extinção, segundo artigo publicado hoje (5/10/2015) na revista Nature Plants. A avaliação é resultado de um esforço internacional liderado pela ecóloga mexicana Bárbara Goettsch, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). “A partir de workshops e grupos de trabalho que compilaram trabalhos publicados, além de nosso próprio conhecimento, foi possível avaliar a situação de quase todas as espécies da família das cactáceas que existem no mundo e todas as 260 espécies que ocorrem no Brasil”, conta a botânica Daniela Zappi, do Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra. No mundo são 1.480 catalogadas, quase exclusivamente nas Américas – uma única espécie ocorre naturalmente na Ásia e na África – e apenas duas não foram incluídas no estudo por falta de dados. Além de Daniela, também participaram da avaliação os botânicos brasileiros Marlon Machado, da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, e João Larocca, da Fundação Gaia, no Rio Grande do Sul (veja na galeria de imagens:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/10/05/cactos-ameacados/

   Conhecida apenas em uma pequena área próximo a Juazeiro, na Bahia, <em>Discocactus petr-halfari</em> foi descrita apenas em 2008. Está ameaçada de extinção pelo avanço da agricultura na região. (foto: Marlon Machado)  <em>Melocactus glaucescens</em> também está criticamente ameaçada. A planta ocorre na região do Morro do Chapéu, na Bahia. (foto: Nigel Taylor) <em>Uebelmannia pectinifera</em> cresce em Minas Gerais, na região de Diamantina. (foto: Marlon Machado)

Para quem cacto é sinônimo de Caatinga, será uma surpresa descobrir que a maior ameaça a essas plantas reside nos Pampas gaúchos. Lá existe uma diversidade de cactos pequenos, principalmente dos gêneros Parodia e Frailea, como bolotas ou cilindros espinhudos de flores vistosas. O fato de serem muito apreciadas por colecionadores é parte do problema, junto com a pecuária, a agricultura e a mineração. Mais recentemente as agressões se diversificaram, explica Larocca, com atividades como a silvicultura em larga escala e a instalação de parques eólicos. “O uso da paisagem torna mais frágeis populações que já eram pequenas”, resume.
O problema é justamente que esses cactos se distribuem em pequenas áreas dispostas como as ilhas de um arquipélago – uns aqui, outros ali. A distribuição dificulta a preservação, já que não adianta fazer um grande parque nacional ou estadual. O botânico gaúcho sugere a preservação por meio de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), em que proprietários de terra seriam estimulados a manter intactas áreas onde há cactos. “Temos condições de desenvolver um projeto nessa direção, que incluiria visitas técnicas às fazendas para orientar os proprietários, mas não temos a verba para executá-lo”, lamenta Larocca. Ele ressalta que ações nessa região teriam que ser coordenadas com países vizinhos, porque a flora de cactáceas gaúchas tem mais semelhança com as da Argentina e do Uruguai do que com a do resto do Brasil.
A interface entre o Cerrado do centro-norte de Minas Gerais e a Caatinga, especialmente da Bahia, é onde está a maior diversidade de cactos no Brasil. O estudo também destaca o México pela riqueza, porém com uma proporção menor de espécies ameaçadas. Marlon Machado destaca que a região se caracteriza por alto endemismo, com plantas que só existem em um morro de pedra, ou no topo de uma montanha. Quando uma dessas áreas se torna um foco de mineração, por exemplo, pode-se perder um tipo de cacto. Na Bahia, ele também se preocupa com as espécies do Cerrado no oeste do estado, uma vegetação pouco protegida no estado que se torna cada vez mais rara. O problema está nos pequenos, coletados de forma indiscriminada para o comércio de plantas ornamentais. “Espécies mais emblemáticas, como o mandacaru e o xique-xique, são abundantes e não correm riscos.”

Daniela Zappi ressalta a ameaça da mineração. “Muitas das Cactaceae endêmicas do leste do Brasil ocorrem em substrato extremamente específico. Por exemplo, Arthrocereus glaziovii é endêmica de Minas Gerais e ocorre diretamente sobre canga”, explica, se referindo ao substrato rochoso rico em ferro. “Essa espécie era outrora comum nas imediações de Belo Horizonte, e agora se encontra ameaçada.” Segundo ela, uma grande variedade de cactos vive em substratos valiosos em termos de minério ou mesmo de pedras ornamentais.
Os pesquisadores destacam a necessidade de levantamentos abrangentes da flora para pensar em conservação, mas sem esquecer que as plantas são parte de uma rede ecológica. “Considerando que todas as cactáceas existentes são polinizadas por animais e muitas delas dependem de vertebrados para dispersão, conhecimento sobre os polinizadores e dispersores é vital para a proteção efetiva das populações”, ressalta Daniela.
Iniciativas como a capitaneada por Bárbara Goettsch são empreendimentos trabalhosos que envolvem dezenas de pesquisadores trabalhando em consonância. E são necessários, segundo a pesquisadora da IUCN. “Se queremos comparar grupos de plantas diferentes, deveríamos manter a metodologia que usamos para avaliar o risco de extinção de forma coerente”, afirma.
Fonte: Pesquisa FAPESP
Artigo científico

GOETTSCH, B, et al. High proportion of cactus species threatened with extinction. Nature Plants, artigo 15142, 5 out 2015.